Itajaí, 19/05/2020 – Comprar ou alugar um imóvel: eis um dilema clássico. Enquanto muitos prezam a sensação de segurança da casa própria, para outros a resposta está na calculadora. É preciso considerar quanto o montante que seria usado na compra pode gerar de rendimentos se aplicado e comparar com o valor de locação de um imóvel correspondente. Por muito tempo, a balança pendeu para o aluguel. Com a queda dos juros, a situação se inverteu.
“Antigamente, o retorno da renda fixa era superior à taxa de aluguel, de cerca de 0,5% do valor do imóvel. Em vez de comprar um imóvel, valia mais a pena aplicar o dinheiro e, com o rendimento, pagar o aluguel e embolsar uma boa diferença”, lembra Miguel Oliveira, diretor executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). “Mas hoje a renda fixa tem rendimento líquido de menos de 0,30% ao mês. Alugar não compensa.”
Por muito tempo, quem optou pelo aluguel e fez esse cálculo não se arrependeu do caminho escolhido. Com a taxa básica de juros em patamares mais altos (ela chegou a 14,25% ao ano entre julho de 2015 e outubro de 2016), não era preciso fazer muito esforço para aplicar o dinheiro na renda fixa e ter um rendimento gordo o bastante para se manter em um imóvel alugado. Com os cortes sucessivos na Selic e o novo mínimo histórico de 3,75% ao ano, o cenário mudou completamente.
Existem outras questões a serem consideradas antes de ir às compras. O coronavírus é um complicador que não pode ser ignorado. Não se sabe quanto tempo vai durar a pandemia e qual será a dimensão dos estragos na economia. Se, por um lado, isso traz a chance de encontrar preços mais baixos, por outro torna mais imprevisível o horizonte financeiro de cada um, inclusive quanto à manutenção do próprio emprego.
Por isso, as respostas para o dilema de comprar ou não comprar se tornam diferentes se o interessado dispõe de todo o dinheiro necessário ou vai fazer um financiamento, já que a quantidade de risco envolvida na decisão muda. Se a finalidade não for a moradia e sim o investimento, também vale ponderar sobre a segurança dessa opção.
O E-Investidor todos esses cenários a seguir. E também enxergamos o outro lado da moeda: se você tem um imóvel na mão e está pensando em vendê-lo, será esse o melhor momento?
Quero comprar para morar e tenho todo o dinheiro na mão – Você busca um imóvel para morar, já dispõe do dinheiro necessário para pagar à vista e só estava esperando o momento certo? Esse é o melhor cenário para a compra. A mesma crise que levará muitas pessoas e empresas a vender seus imóveis pode trazer para você a chance de fazer um bom negócio.
“Para quem tem liquidez, essa pode ser uma boa oportunidade de comprar e sair do aluguel. Tem muito imóvel no mercado e a velocidade de venda está lenta. Com o aumento da oferta, os preços caíram”, diz Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper. “Com aquele proprietário que tem o imóvel como único ativo e precisa vendê-lo para fazer caixa, você pode conseguir uma boa negociação, pedindo um desconto e pagando de forma parcelada.”
É muito importante, porém, que o gasto com a compra não comprometa as reservas de emergência, fundamentais em tempos de coronavírus. “Ninguém está seguro no próprio emprego neste momento. O cara pode ser um ótimo funcionário, mas, com seis meses de pandemia, a empresa pode quebrar”, pondera Oliveira. “Se ele tiver usado as reservas e perder o emprego, será obrigado a vender o imóvel por um preço mais baixo.”
Mesmo para quem tem uma situação financeira mais confortável, a compra neste momento traz um risco embutido pela própria incerteza do cenário. O comprador pode pagar pouco e ver o imóvel se valorizar depois. Mas pode ser que a pandemia se prolongue além do esperado, e o bem perca ainda mais valor.
“Com o coronavírus, o risco de fazer uma transação imobiliária se amplia, para cima ou para baixo. Você pode fazer um negócio ótimo ou terrível: só o tempo dirá”, diz o planejador financeiro Jaques Cohen, da Planejar.
Quero comprar para morar, mas vou precisar financiar – Se você não tem todo o dinheiro na mão, os preços mais baixos e as oportunidades de compra ainda estão lá. Mas a crise atual traz um obstáculo a mais: maior dificuldade de aprovação do crédito imobiliário.
“Os bancos não estão seguros para aprovar financiamentos, mesmo com a garantia do próprio imóvel, porque não sabem se o tomador do crédito continuará empregado amanhã”, diz Oliveira. “Como a instituição financeira não tem previsão de quando o cenário negativo terminará, o banco prefere não emprestar a não receber.”
Além disso, ainda que o crédito seja aprovado, as taxas praticadas serão mais salgadas, porque o próprio risco da operação cresceu consideravelmente para o banco. E o aumento das taxas tem um impacto considerável em um financiamento de valor alto e e no longo prazo. “Se o valor do imóvel ficou mais barato, a alta na taxa de juros pode anular essa vantagem. Com os juros subindo, o melhor a fazer é esperar o estresse passar e as taxas voltarem a patamares normais”, aconselha o diretor da Anefac.
Além disso, se na compra à vista o comprador não deve desprezar o risco de um revés financeiro com a crise, na compra parcelada o risco é bem maior, já que é preciso assumir um compromisso de longo prazo. “Se o comprador não conseguir mais pagar as prestações, ele perde o imóvel. Os bancos são flexíveis só até certo ponto”, alerta Oliveira.
Quero comprar como forma de investimento – O imóvel é tradicionalmente visto como um investimento seguro por muitos brasileiros. Mas não é bem assim. Além de lidar com oscilações positivas e negativas no valor do bem ao longo do tempo, o proprietário precisa encontrar um inquilino que cumpra com seus deveres. Imóvel vazio vira despesa e n não tem liquidez na hora do aperto.
Se tudo isso já deveria deixar o pequeno investidor com um pé atrás em condições normais, neste momento delicado a ideia de comprar para investir é ainda mais arriscada. Especialmente se a aquisição imobilizar uma parte importante dos recursos disponíveis.
“Com a crise, é grande o risco de o proprietário não conseguir locar o imóvel, ou o inquilino não conseguir pagar. Se o dono não aluga, fica sem receita nenhuma e ainda tem que arcar com as despesas”, diz Oliveira. “Nesse caso, é melhor investir na renda fixa, que paga pouco, mas paga. Não pense em rentabilidade, pense em segurança”, aconselha.
Já para quem tem um bom caixa disponível e pode fazer a compra sem comprometer a liquidez da carteira, Ricardo Rocha diz que o imóvel pode ser um bom investimento. Não é um caminho para principiantes. O investidor terá de aproveitar uma boa oportunidade, por um preço vantajoso, e segurar a propriedade que a economia se recupere.
“Com paciência, em uns três anos ele poderá revender o imóvel pelo preço de mercado e obter um retorno que a renda fixa jamais lhe daria no período”, acredita o professor do Insper.
Quero vender porque estou precisando de dinheiro – Se o aumento de oferta e os preços baixos são boas notícias para o comprador, para quem está na outra ponta do negócio o cenário não poderia ser pior. Os três especialistas ouvidos pelo E-Investidor são unânimes: quem quiser vender agora vai ter que vender barato e perder dinheiro. Por isso, o ideal é buscar alternativas para tentar evitar a venda.
“Se o proprietário precisa de dinheiro para passar alguns meses, é preferível fazer um esforço adicional para atravessar esse período (sem vender o imóvel). Tente renegociar as dívidas com o banco ou os credores”, sugere Oliveira, da Anefac.
O planejador Jaques Cohen lembra que outra solução é buscar um refinanciamento. Com isso, o proprietário mantém o apartamento, que serve como garantia da operação, recebe o valor dele e vai pagando as prestações. “Mas isso só serve dentro de uma estratégia séria de planejamento financeiro, com um controle rigoroso das demais despesas”, ressalta.
Quem tiver mais de um imóvel pode buscar o crédito com imóvel em garantia, modalidade conhecida pelo termo em inglês home equity. “Nele, você oferece o imóvel em hipoteca e tem dez anos para pagar a dívida”, explica Rocha, do Insper.
Quero vender para investir de outra forma – É verdade que o mercado tem opções de investimentos com melhor retorno do que os imóveis. Mas, com o achatamento da taxa Selic, quem busca maior rentabilidade terá de sair da renda fixa e aumentar a exposição da carteira a risco. Se essa ideia não te agrada, talvez continuar com o imóvel não seja ideia tão má assim.
“Alugar é um bom negócio se você conseguir um bom inquilino. Você vai ganhar mais alugando do que aplicando o valor do imóvel na renda fixa”, afirma Oliveira. O motivo, já explicado anteriormente, é o mesmo pelo qual comprar é mais vantajoso que alugar: as taxas de locação hoje estão mais altas que os ganhos da renda fixa.
O diretor da Afenac lembra que, em tempos bicudos, quem está com o imóvel alugado deve se dar por satisfeito. “Se o imóvel está dando retorno, é lucro. Na crise, tem proprietário isentando o aluguel e o inquilino só se compromete com condomínio e IPTU”, diz. “Se o imóvel está alugado, só vale vender se for vender para um interessado que vai pagar um preço justo. Caso contrário, não.” (Thiago Lasco, do portal Estadao.com)
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